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FELIZ NATAL A TODOS

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segunda-feira, 7 de março de 2011

Tortura Nunca Mais: O uso de armas não-letais


Tortura Nunca Mais: O uso de armas não-letais


Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do Projeto Armazém Memória
Adital
REGULAMENTAÇÃO DO EMPREGO DE ARMAS NÃO-LETAIS

A violência policial sofrida pelos estudantes durante as recentes manifestações contra o aumento da passagem de ônibus em São Paulo, levanta um tema de fundamental importância para a cidadania e toda a sociedade. É preciso enfrentarmos a discussão da mudança de conduta das forças de segurança do estado frente à liberdade de manifestação e expressão. É inadmissível o emprego da força da forma que foi orientada em um estado democrático de direito, mostrando a falta de preparo para uma atuação que respeite os cidadãos e a constituição, deixando evidente a falta de parâmetros e o despreparo para o emprego e uso das chamadas armas não-letais.
A justiça de transição para operar de forma satisfatória na consolidação da democracia após uma longa ditadura como a nossa, tem como condição que o Estado Brasileiro atue em várias frentes para realizar uma efetiva mudança e o fortalecimento de instituições democráticas. No Brasil um dos aspectos mais importantes para a construção do Nunca Mais tem sido negligenciado e omitido do debate, ou seja, a visão do inimigo interno permanece inalterada nas forças de segurança que ainda agem contra as manifestações populares como se aqui o regime vivido fosse uma ditadura.
Temos de ter uma Comissão da Verdade, que possa consultar os arquivos militares, restabelecendo a verdade, apontando o caminho para que o ciclo da impunidade seja quebrado e para isso o Brasil deve cumprir integralmente a decisão da Corte Interamericana sobre o caso Araguaia, como bem demonstrou a OAB encaminhando, por sugestão do Prof. Comparato, ofício à presidenta Dilma, porém devemos também enfrentar o desafio de trazer as estruturas de segurança pública para que atuem dentro do conceito democrático de sociedade em que vivemos, pondo fim à criminalização dos movimentos sociais e da pobreza.
O Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo oficiou a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo para que possamos ter acesso às normas internas e recomendações do emprego de armas não-letais feita pelos comandos das polícias de nosso estado aos seus subordinados policiais militares e da guarda civil, bem como a legislação. Entendemos que uma reformulação da mentalidade e conduta se faz necessária para o avanço e fortalecimento da democracia e passa pelo investimento e melhora das ouvidorias, da educação em direitos humanos junto à tropa, como também na criação de mecanismos de controle social como a regulamentação dos armamentos não-letais, envolvendo as entidades de direitos humanos e toda a sociedade num diálogo por reais mudanças nas forças de segurança em nosso país.
Atenciosamente,
Mulheres nas ruas
Iolanda Toshie Ide
Presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulheres de Lins (SP) e Professora aposentada da UNESP e Militante da Marcha Mundial de Mulheres (MMM)
Adital
Nos últimos anos vários analistas eram unânimes em afirmar o fim da era das grandes manifestações. Em Israel se garantia que o Egito era um país seguramente estável. Uma semana depois milhões ocuparam não só a praça principal do Cairo como também em outras grandes.
Quando em janeiro o mundo foi surpreendido pelas mobilizações, afirmou-se se tratar de uma revolução das redes sociais via internet. Esquecem-se que as longas ditaduras são verdadeiras panelas cujas tampas podem saltar. A paciência do povo foi sendo corroída pelo autoritarismo, pelo desemprego, pelos desmandos de ditadores sanguinários a soldo de escusos interesses ocidentais.
Os interesses geopolíticos no mundo árabe, garantidos por dólares e armas, estavam garantidos, mas até certo ponto. As multidões sufocadas pelas ditaduras sairam às ruas, sobretudo mulheres e jovens. Derrubados Ben Ali (Tunísia) e Hosni Mubarak (Egito), o mundo árabe continua fervilhando porque decidiu que não mais aceita seguir sendo manipulado por ditadores que jogam com suas vidas. Interesses estratégico-militares ocidentais implantaram base militares (Barhein), derramaram dólares americanos, armas (Egito, Líbia,...), enfim alimentaram as ditaduras que agora ruem.
É importante atentar por outras mobilizações pouco divulgadas. No dia 13, mais de um milhão de mulheres saíram às ruas de Roma (também em outras cidades) exigindo a demissão do primeiro ministro Silvio Berlusconi. Pavoneando-se qual don Juan, chegou a ameaçar o delegado em cuja jurisdição fora presa uma de suas pupilas, melhor dizendo, uma marroquina menor de idade com quem se relacionava sexualmente nas orgias que patrocinava. Envolvida está também uma brasileira menor de idade. Em defesa da dignidade das mulheres multidões sacudiram Roma. O povo está farto da corrupção, do desemprego, enfim, dos desmandos de Berlusconi. Dono de meios de comunicação e com maioria no parlamento, ninguém acreditava que pudesse contê-lo. Com 60% de rejeição, desde dia 15, o premiê é réu no escândalo da marroquina que ele afirmou ser sobrinha-neta de Hosni Mubarak, o que lhe valeu desmentido e protesto do Egito.
Mais próximo, mulheres também saíram às ruas, mais exatamente, diante do tribunal em São Paulo em que se julgava o Habeas corpus do provável assassino de Mércia Nakashima. Misael Bispo, ex-policial e advogado exorbitou zombando do delegado e do judiciário. Pior, além de provavelmente ter assassinado a namorada, tudo indica ser o mandante da tentativa de assassinato da mãe e do irmão da vítima. Todos os percalços levavam a crer que Misael sairia incólume como até recentemente. Valeu a mobilização das mulheres.Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres.
A reforma política deve favorecer um novo comportamento republicano
Marilza de Melo Foucher
Consultora Internacional na área do desenvolvimento territorial integrado e sustentável. Dra. em economia
Adital
O atual sistema partidário brasileiro não é compatível com a nova republica democrática brasileira. Muitos partidos foram implantados no período de crise da ditadura e de transição para a democracia. Muitos surgiram sem fundamentos ideológicos. Infelizmente, nenhum governo pós-ditadura pode elaborar um projeto de reforma política, muitas vezes por falta de maioria e outras vezes por falta de vontade política. Todavia, a democracia brasileira já esperou tempo demais. A nova Presidenta do Brasil Dilma Rousseff insistiu durante sua campanha sobre a urgência desta reforma e de certeza a reforma Política continua sendo uma prioridade no seu governo.
Hoje temos aberrações que permite toda deriva republicana. Atualmente segundo o Tribunal Eleitoral existem registros de 27 partidos! Muitos desses partidos, não têm nenhuma base filosófica e política, são legendas de aluguel, como muitos proclamam. E a nociva prática "do dando que se recebe”, o pior é que esses políticos contribuem na permanência do vírus maléfico da corrupção política. Impunemente eles abusam do poder político para nomeações de afiliados, usam do apadrinhamento na distribuição de cargos. Estes políticos fisiológicos defendem interesses paroquiais em detrimento do interesse nacional. Para eles, tudo isto é normal. Eles sempre repetem: Faz parte do jogo político!
Em razão desta realidade, só uma boa reforma do sistema político pode provocar um choque de seriedade junto à opinião publica e sem duvida nenhuma contribuirá na melhoria da imagem do parlamento brasileiro hoje completamente deteriorada.
Existe uma pulverização do sistema partidário no Brasil que dificulta a formação de maiorias nas assembléias estaduais e no Congresso Federal. Impossível, dentro de o atual sistema levar uma discussão séria sobre a fidelidade partidária. Quem sabe se as listas fechadas partidárias seja o melhor caminho?
Não devemos esquecer que temos nossa parte de responsabilidade em certos desvios republicanos, pelo fato de não exercermos nossa cidadania política, e, exigir que a casa do povo seja mais bem representada. O deputado não é eleito para me oferecer um emprego ou bolsa de estudo para meu filho, ele é eleito para zelar pela coisa publica, pelo interesse coletivo e não individual. Ele não é eleito para defender seus interesses privados.
O exercício de um cargo eletivo não deve ser nem "individualista” e nem "carreirista”. A política não é uma profissão, nem é vitalícia, nem hereditária. Como indagava a filósofa Hannah Arendt qual o sentido da política quando os homens políticos eles - mesmos perderam o sentido político?
Daí urge aprofundar este debate com a sociedade brasileira, o ideal seria realizar fóruns populares e convidar os deputados federais e senadores a participarem do debate sobre a reforma política. No final de cada fórum, os cidadãos são convidados a votar em uma das medidas que seria para eles mais importante. Deputados e senadores assinariam uma carta de compromissos do qual eles se engajariam a defender. De certeza o parlamento brasileiro ganharia maior credibilidade, pois os representantes do povo estarão à escuta do povo. Basta vontade política para elaborar uma verdadeira reforma do sistema política.
Temos hoje no Brasil uma sociedade civil organizada, principalmente representada por movimentos sociais, ONGs de desenvolvimento, mundo associativo, centrais sindicais. Estes já participaram de vários embates que levaram a democratização do país. Há anos eles vêm lutando pela reforma do Sistema Político e não perderam a esperança apesar das decepções.
A Abong, o órgão representativo das ONGs de Desenvolvimento, reivindicava junto com os movimentos e outras organizações sociais cinco pilares da reforma do sistema político:
O fortalecimento da democracia direta, o fortalecimento da democracia participativa, o aprimoramento da democracia representativa por meio do sistema eleitoral e dos partidos políticos, a democratização da informação e da comunicação e a democratização do Poder Judiciário. Chegou a hora de se investir a fundo nessa mobilização.
Se quisermos um melhor funcionamento da governabilidade democrática, e, uma reforma do sistema e o funcionamento das instituições políticas, é hora de selar uma parceria entre democracia participativa e democracia representativa para elaborar uma verdadeira reforma do sistema político a fim de evitar a privatização da política. Temos que reencontrar o sentido nobre da política que permite uma comunidade de agir sobre ela mesma, sem perder a visão do interesse geral. Esta reforma política deve favorecer um novo comportamento republicano, só assim a política será escrita com letras maiúsculas e a palavra política ganhará credibilidade e sustentabilidade.
O interesse pela coisa publica e a defesa do interesse geral.
Os parlamentares devem ter um real compromisso partidário e devem privilegiar o interesse geral e zelar pela coisa publica.
O dinamismo de uma democracia é aquela que não perde a capacidade de se inovar. O ideal seria poder ter uma rotatividade de mandatos e limitar os mandatos ao máximo de duas legislaturas. Os quadros políticos devem ser renovados. A rotatividade pode ser a solução para levar os jovens a se interessarem na política partidária. Por exemplo, um vereador, pode ser candidatar a prefeito, o prefeito a deputado estadual, o deputado estadual a deputado federal, o senador a governador, o deputado federal a senador. Se esta regra fosse votada teríamos uma renovação completa do corpo partidário. É uma rica experiência poder subir na esfera da legitimação da representatividade popular. Assim como é importante que quadros políticos possam ser renovados.
Um segundo mandato é talvez interessante devido à experiência e amadurecimento político acumulado. Todavia, cabe aos eleitores no próximo pleito de avaliar se a ação do candidato foi pertinente, que projetos ele elaborou, que projetos interessantes contaram com o seu voto, qual a sua postura ética durante o mandato. Diante do constato da ação política, eles votarão ou não a confiança para um segundo mandato. Brigar por um terceiro mandato consecutivo impede a ascensão de novos candidatos. Impossível renovar os quadros políticos, revigorar a democracia se não aceitamos dividir o poder, ou delegar o poder.
A reforma política é indiscutivelmente fundamental para definir novas regras de financiamento público de campanha eleitoral criando um mecanismo de controle mais rígido.
Sustentabilidade política
Outra questão que merece um debate nacional seria aprofundar a discussão sobre o significado da sustentabilidade política hoje no Brasil.
Nesse sentido, a palavra sustentabilidade aqui usada, sai da esfera do jargão do bla, bla, bla, politiqueiro, para se projetar dentro do real significado do senso político. Os representantes do povo além de assumir o compromisso de defender os interesses públicos, eles devem estimular e facilitar a inclusão da participação social no poder político. Essa inclusão da cidadania política efetivará uma mudança estrutural nas relações com o poder e dará de fato uma melhor sustentabilidade para uma governabilidade democrática mais participativa.
O eleitor considerado de "cabresto” torna-se um eleitor-cidadão consciente e crítico que terá a capacidade de interagir na sociedade denunciando e reivindicando ações junto aos órgãos públicos competentes para que a qualidade de vida atinja todas as camadas sociais. Para que uma verdadeira política de desenvolvimento integrado e solidário seja posta em pratica em todo território nacional e venha conseqüentemente modificar completamente a malha de funcionamento dos poderes locais. Os coronéis, os clientelistas, desaparecerão por completo da paisagem política brasileira. O modo de fazer política forjará uma nova relação entre o Estado e a sociedade civil. Os políticos agirão localmente e pensarão o Global, ou melhor, GLOCAL (global e local) e, de modo sistêmico planejarão o Brasil de hoje e do futuro.
Logicamente cabe aos parlamentares e juristas analisarem uma reforma do sistema político mais adaptado ao avanço da democracia brasileira. Ao expor minha analise política da questão, estou aqui apenas cumprindo com minha cidadania política.
Jovens, Internet e política: pensando o uso das novas tecnologias nas mobilizações sociais
Patrícia Lânes
Socióloga e pesquisadora do Ibase
Adital
As manifestações em curso no Egito nas últimas semanas abrem a possibilidade de uma série de reflexões sobre o uso da Internet e das chamadas NTIC (Novas Tecnologias da Informação e Comunicação) nas mobilizações sociais, sobretudo as de massa, nos nossos dias. Artigo de Felipe Corazza, publicado em 03 de fevereiro de 2011 no site da Carta Capital, engrossa o debate falando do papel desempenhado por esses meios, problematizando o fato de terem sido eles os responsáveis pela adesão massiva da população egípcia às manifestações contra o atual presidente do país, o ditador Hosni Mubarak, há três décadas no poder.
Alguns jovens egípcios falam que, através das redes sociais da Internet, a mobilização para a ação nas ruas já vinha acontecendo há mais de um ano. Outros, no entanto, têm uma visão diferente e dizem que com ou sem Internet a população estaria nas ruas. No entanto, aliada às novas tecnologias, a Internet vem cumprindo o papel de mostrar as manifestações para o mundo e conseguir novas adesões. Nas palavras do jornalista e blogueiro egípcio Hossam el-Hamalawy, em entrevista ao professor da Universidade da Califórnia Mark LeVine: "A internet desempenha um papel na difusão da palavra e das imagens do que ocorre no terreno. Não utilizamos a internet para nos organizar. A utilizamos para divulgar o que estamos fazendo nas ruas com a esperança de que outros participem da ação.”
A Internet ou os torpedos (mensagens) via celular, o Facebook ou o Twitter jamais poderiam sozinhos ser responsáveis pelo engajamento de milhares de pessoas a determinada causa. No entanto, eventos recentes, dos quais talvez o Egito seja o caso mais evidente e paradigmático, indicam que não é mais possível relegar o uso dessas tecnologias a uma posição coadjuvante quando se trata de causas coletivas. A relação que sempre aparece nesse debate é entre o uso dessas novas tecnologias e suas ferramentas, espaços de articulação e os(as) jovens.
Aqueles e aquelas que foram socializados nesses novos meios ainda crianças e adolescentes, uma geração que nasceu junto ou depois de celulares, da Internet e de derivados, têm maior facilidade para conhecer e criar novas possibilidades para seus usos. No entanto, é também muito criticado o uso de tais tecnologias para a publicização da vida privada, que estaria contribuindo para propagar um ethos individualista e consumista. Os meios abrem possibilidades, mas seus usos são orientados pelas ações e idéias disponíveis socialmente.
Estudo recente realizado por Ibase, Pólis e instituições de pesquisa em seis países da América do Sul, com apoio do IDRC, evidenciou que muitas das manifestações públicas lideradas por jovens na última década tiveram forte vinculação com os meios de comunicação (comerciais e as ditas mídias alternativas) e com as novas tecnologias da informação. Muitas ações dos movimentos pressupõem uma face pública, se fazer ver e ouvir pelo restante da sociedade para mobilizar população e pressionar governos, empresas etc. E os meios de comunicação têm papel importantíssimo.
No Chile em 2006, milhares de estudantes secundaristas protagonizaram o que ficou conhecido dentro e fora do país como Revolução dos Pinguins (referência ao uniforme dos estudantes). Eles ocuparam suas escolas por discordar dos encaminhamentos dados pelo governo do país em relação à educação, reivindicando educação pública, gratuita e de qualidade. Além da ocupação física do espaço escolar, a criação de blogs e fotologs das ocupações e do movimento ajudou a dar o caráter nacional e descentralizado da manifestação (que se recusou a ter apenas um porta-voz) e a mobilizar cerca de 800 mil estudantes em dois meses de norte a sul do país. Entre as demais ações estudadas inicialmente pela pesquisa em questão (Juventude e Integração Sul-americana, Ibase, Pólis, 2008), muitas se utilizam de blogs, fotologs e fóruns de debates virtuais para mobilizar e organizar suas ações. Foi o caso do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, dos jovens sindicalizados do telemarketing, dos grupos de hip hop aymara de El Alto (Bolívia), dos coletivos juvenis ligados ao Departamento de Juventude de Concepción (Chile), dos estudantes secundaristas organizados na Fenaes (Paraguai), de grupos articulados na Coordinadora por la Legalización de la Marihuana (Uruguai) ou dos Jóvenes de Pie (Argentina). Em todos esses exemplos, o uso da Internet e das novas tecnologias de informação e comunicação se combinam a formas "tradicionais” de militância e essas combinações possíveis também trazem pistas de um jeito próprio dessa geração fazer política.
Talvez um dos exemplos mais contundentes e reveladores seja o do Acampamento Internacional da Juventude (AIJ), organizado durante as edições brasileiras do Fórum Social Mundial (FSM), em especial naquelas que ocorreram em Porto Alegre. Ali, as possibilidades de inventar e praticar novas formas de comunicação e novas maneiras de produzir informação rompiam fronteiras e abriam espaços para o diálogo, hoje cada vez mais cotidiano, entre rádio, televisão, Internet, cinema e produções artísticas das mais variadas. Nesse caso em especial, as experimentações com os meios se aliavam a um debate mais denso sobre auto-gestão e a produção, reprodução e disseminação do que é produzido dentro e fora da rede, do qual o software livre é um ótimo exemplo. Ao analisar as formas de participação social dos jovens, Vital e Novaes apontam que: "No âmbito da participação social de jovens, as NTIC (novas tecnologias de informação e comunicação) se tornam instrumentos úteis para a circulação de informações sobre vários temas e causas e, ao mesmo tempo, alimentam novas bandeiras de luta, como os movimentos que lutam pelo software livre (Vital, Novaes, 2005, p. 125)
Recuperando as pistas deixadas pelos últimos acontecimentos do Egito, é possível vislumbrar que as novas tecnologias da informação e da comunicação fazem parte do cotidiano dos(as) jovens, em cada vez maior escala, nos centros e periferias do Brasil e do planeta, sendo "natural” que estejam em seu repertório de sociabilidades e também de lutas e mobilizações. Os jovens não são reféns das tecnologias. Se as formas de sociabilidade foram alternadas a partir da experiência das mudanças tecnológicas, as culturas locais e as formas mais ou menos tradicionais de se fazer política continuam aí. As mobilizações podem acontecer com a ajuda de redes sociais como Orkut, Facebook ou Twitter. No entanto, a ocupação das ruas e espaços públicos ou o fechamento de ruas e estradas continuam gerando a repercussão social e política que tiveram os últimos acontecimentos. E é ótimo que sejam filmados por celulares e difundidos pelo youtube. As implicações políticas e sociais e as mudanças em curso geradas por tais manifestações só estão acontecendo porque o uso das novas tecnologias está sendo, uma vez mais, combinado com a ocupação massiva e permanente de ruas, praças e avenidas!
De acordo com as conclusões da pesquisa Juventudes Sul-americanas, publicadas no Livro das Juventudes Sul-americanas (Ibase, Pólis, 2010) "(...) se é verdade que esta é a geração da "tecnossociabilidade”, é preciso não minimizar a convivência das novas tecnologias com diferentes agências de socialização, tais como a família, bairro, escola, igrejas. A sociabilidade de determinado segmento juvenil é sempre fruto de diferentes combinações de espaços de socialização. Isso porque o "atual” é composto por uma variedade de arranjos entre tradição e inovação, presentes na vida de diferentes segmentos juvenis. Sem levar em conta esses aspectos, corre-se, mais uma vez, o risco de homogeneizar a juventude. Compreender a existência de diferentes dinâmicas no uso das tecnologias é também uma forma de transpor obstáculos para que as chamadas "minorias ativas” (jovens que participam de grupos, redes e movimentos) se aproximem mais da realidade da maioria da juventude de cada país”. ( p.103) Os últimos acontecimentos protagonizados também por amplos segmentos da juventude egípcia é um bom exemplo disso.
Documentos e páginas eletrônicas consultados:
6 demandas para a construção de uma agenda comum: relatório sul-americano da pesquisa "Juventude e Integração Sul-americana – caracterização de situações-tipo e organizações juvenis”, Ibase, Pólis, 2008.
BOL Notícias, "Último provedor de internet do Egito deixa de funcionar”. 31 de janeiro de 2011.
Corazza, Felipe. "A revolução é online e offline”. Site da Carta Capital, 3 de fevereiro de 2011.
IG/ New York Times/ Luis Nassif Online. "O grito de guerra online no Egito: Jovens impulsionam apelo para expulsar líder do Egito”, 29 de janeiro de 2011.
La Demanda Secuestrada – Situacion tipo del Movimento Estudantil Secundario, CIDPA, Chile, 2007.
Novaes, Regina; Ribeiro, Eliane. (orgs). Livro das Juventudes Sul-americanas, Ibase, Pólis, 2010.
Novaes, Regina. Vital, Christina. A juventude de hoje: (re)invenções da participação social. In: Thompson, Andrés A. (org.) Associando-se à juventude para construir o futuro. São Paulo: Peirópolis, 2005.
O Recôncavo, "Al- Jazeera: Jornalista e blogueiro egípcio fala sobre rebelião”, 1º de fevereiro de 2011
Mais de uma década perdida
Fórum
Versão digital da revista Fórum
Adital
Por Andréa Cordioli e Gilberto Nascimento
O crack começou a matar crianças há 18 anos, mas autoridades não agiram. E o número de dependentes pode chegar a 1,2 milhão
Há 18 anos, o crack começava a se alastrar de forma devastadora nas periferias dos grandes centros urbanos do País. Em 25 de maio de 1992, o jornal Folha de S.Paulo publicava a reportagem "Crack leva crianças e jovens à morte”, na qual mostrava que meninos de rua viciados traficavam, roubavam e acabam morrendo em confrontos com a polícia ou gangues rivais.
À semelhança dos guetos do Bronx – bairro novaiorquino –, São Mateus, área pobre do extremo leste de São Paulo, era naquele momento a face mais visível de um futuro trágico e assustador. Não se falava ainda na "cracolândia”, o hoje conhecido reduto de consumidores do crack no centro velho paulistano, nas proximidades da Estação da Luz, que choca e escandaliza a classe média.
Somente em São Mateus, num período de cinco meses – entre dezembro de 1991 e abril de 1992 -, 15 adolescentes já haviam morrido por causa do crack, segundo levantamento da Prefeitura de São Paulo e do Centro de Defesa da Criança, do bairro. As autoridades demoraram para agir, muito pouco ou quase nada foi feito. Não houve uma política pública capaz de evitar que, hoje, o Brasil alcançasse o posto de maior mercado de crack na América do Sul, com mais de 1,2 milhão de usuários e idade média de 13 anos para início do uso da droga. Esses dados foram apresentados pelo psiquiatra especializado em tratamento de dependentes de crack Pablo Roig, em audiência pública na Câmara dos Deputados, em 2010.
"As autoridades não se mobilizaram diante do crack, tanto do ponto de vista policial no combate ao tráfico quanto nas ações preventivas e no tratamento dos jovens consumidores”, constata o advogado Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo. Quase 20 anos se passaram e o cenário parece igual. Nove em cada dez cidades brasileiras não têm nenhum programa municipal de combate ao crack. Oito, em cada dez, não têm sequer um Centro de Assistência Psicossocial (Caps) – serviços de saúde municipais implantados no Sistema Único de Saúde (SUS) e considerados a espinha dorsal da atual política nacional de enfrentamento ao crack.
O quadro desalentador foi explicitado em um recente estudo divulgado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que abrangeu 3.950 cidades brasileiras (71% do total). A entidade avalia que o crack "tomou proporção de grave problema de saúde pública no país, envolvendo os diversos segmentos da sociedade”, de acordo com o estudo, e já atinge 98% das cidades brasileiras. "O que estava restrito inicialmente a um número reduzido de jovens pobres da periferia e do centro de São Paulo hoje tem efeitos catastróficos e devastadores, envolvendo adolescentes e jovens de áreas carentes e também da classe média”, afirma Ariel Alves.
A Fundação Casa, de São Paulo (antiga Febem), agrupa hoje cerca de sete mil internos, dos quais 37,5% por tráfico de drogas. Esse número representava 14% em 2006. "O que a gente nota hoje em dia é que existem muitos jovens envolvidos com o comércio de entorpecentes. Às vezes, o jovem é apenas um usuário ocasional e vê o tráfico de drogas como um meio de emprego. Isso é o que mais tem nos preocupado”, diz a presidente da entidade, Berenice Gianella.
Para Ariel Alves, as autoridades só passaram a se preocupar com o crack depois que a droga começou a atingir setores da classe média. "Enquanto atingia só as camadas mais pobres, não havia tanto interesse. Só nos últimos dois anos, depois de ouvirmos falar tanto da cracolândia e de jovens de setores mais privilegiados da sociedade também começarem a usá-lo, é que o problema despertou a atenção das autoridades”, denuncia. Na última campanha eleitoral, o crack foi tema de debates entre candidatos à presidência da República e aos governos estaduais. O governo federal anunciou, no ano passado, um pacote de medidas para combater o problema. "Mas isso já deveria ter sido feito na década de 1990. Agora, estamos colhendo os frutos dessa omissão”, sustenta Ariel.
Hoje, a situação é alarmante, principalmente em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Fortaleza, além do Rio de Janeiro, onde os próprios traficantes tentavam a impedir a entrada da droga no início, por avaliar que ela poderia diminuir o lucro obtido com a maconha e a cocaína. "Atualmente, os casos mais crônicos e graves envolvendo adolescentes em situação de criminalidade estão vinculados ao crack. O crescimento do tráfico faz aumentar as causas de internação de jovens infratores”, observa o representante da Comissão Nacional da Criança da OAB. "Os roubos lideravam majoritariamente os casos de internação. Agora, o tráfico, que representava 5%, chega aos 25% e praticamente empata com os roubos. Os adolescentes e jovens roubam para comprar a droga e também são assassinados em maior número por causa de dívidas com traficantes. Ainda por causa do crack, aumentam os casos de ameaças de morte, vindas do tráfico, e de exploração sexual infanto-juvenil. Meninas se prostituem para usar a droga.”
O tratamento de jovens dependentes
É evidente a propagação do crack nos grandes centros urbanos. Mas, hoje, não existem índices sobre apreensões da droga no país. Policiais apreendem diariamente toneladas de maconha e cocaína, mas nada de crack. Não se sabe por que esse não é o foco das autoridades policiais, tanto na atuação repressiva quanto investigativa. Quando são questionados, os responsáveis pela área de segurança não sabem dizer nada sobre o número de apreensões.
Berenice, a presidente da Fundação Casa, lembra que a droga entra de maneira abundante pelas fronteiras brasileiras e vê a necessidade de mudar essa realidade. "Hoje, além de uma atuação grande nas áreas de segurança pública e saúde, seria preciso também pensar em políticas de prevenção. Ou seja, uma política que vá além do tratamento, senão daqui a pouco teremos milhões de jovens envolvidos com drogas e milhões de recursos para a saúde e com uma eficácia pequena”, considera.
Os Centros de Atenção Psicossocial são um exemplo disso. Luciana Sayago França, psicóloga do Caps- AD (Álcool e Drogas) em Diadema, na Grande São Paulo, reconhece que muitas prefeituras correram para abrir esses centros, visando ao repasse de verbas do governo federal, mas com equipamentos sem estrutura adequada e com profissionais pouco qualificados. Somente a partir de 2002 esses centros – surgidos após a reforma psiquiátrica (que substituiu os antigos hospícios ou manicômios) – passaram a receber financiamento do Ministério da Saúde. Em 1990, havia apenas 12 Caps no país. Pularam para 1.541, segundo levantamento feito em junho do ano passado.
Há seis anos e meio no Caps, Luciana acumulou experiências e dificuldades no atendimento a jovens dependentes. Ela já sofreu agressões verbais, foi ameaçada de morte por uma usuária de crack e presa numa sala por um adolescente armado, que achou que ela o tivesse visto fumando maconha. Atuando diretamente no dia a dia dos pacientes, ela diz ser necessário impor a noção de limites. "Muitos reagem mal a isso.” Na avaliação de Luciana, os centros são adequados para alguns casos de dependência e abuso. "Não há um tratamento que sirva para todo o mundo. O melhor é aquele com o qual o paciente se identifica, pois o segredo de um bom resultado no tratamento é a aderência. Não existe tratamento a distancia ou por telepatia”, observa. A psicóloga defende o funcionamento do Caps durante 24 horas. Atualmente, o atendimento é dado das 8 horas às 17 horas. "Ninguém escolhe a hora que entra em crise. Mas é preciso tomar cuidado para não se tornar o atendimento meramente assistencialista. Em vez de oferecer um leito para se criar um vínculo terapêutico e trazer o paciente de fato para o tratamento, tudo pode se resumir apenas a uma relação utilitária.”
Atualmente, muitos pacientes faltam às consultas no Caps. A abstenção é alta. "Muitos pacientes não vêm por vontade própria. Logo, não ‘investem’ afetivamente no tratamento. Existe também aquela ambiguidade inicial de todo dependente. Eles amam e odeiam as drogas. Uns dias querem muito parar, em outros, não”, diz Luciana. As limitações apontadas são endossadas por Ariel de Castro Alves. "As ações nos últimos anos são positivas. Mas os Caps ainda não têm condição de dar uma resposta para aqueles casos mais crônicos de usuários de crack. É dado um bom atendimento para quem está iniciando no uso da droga. Mas tem situações em que não há como não internar”, analisa o advogado. "No máximo, o paciente fica em observação por 48 horas. Também há a necessidade de leitos para esse tipo de caso em todos os hospitais e prontos-socorros, mas isso não existe. As clínicas públicas de atendimento aos usuários são raras. A maioria é particular, e a quase totalidade dos usuários não tem a menor condição de pagar uma clínica dessas, que cobra em torno de R$ 4 mil ao mês”, constata Ariel.
A presidente da Fundação Criança cita exemplos como o de um garoto de 13 anos, de São Bernardo do Campo, que registrou, em um único ano, 25 entradas em um centro de ressocialização. "É uma prova dos efeitos devastadores do crack. O adolescente vai, tem um atendimento, mas depois volta para a droga”, lamenta Ariel. "Quando o jovem está na Fundação Casa, ele é levado para o atendimento no Caps. Quando sai, nós agendamos a primeira consulta. Mas depois, muitas vezes, ele desiste do tratamento por ‘n’ dificuldades. E não há a busca desse adolescente para voltar ao atendimento”, relata a presidente da entidade. "Quer dizer, se o adolescente tem problemas severos de envolvimento com drogas, ele não vai voltar para o Caps e vai se envolver com drogas novamente”, diz Berenice.
Requalificação dos serviços
O enfrentamento ao crack necessita de uma requalificação de todos os serviços na área social e de saúde, além de uma integração de todos esses serviços. Em busca desse objetivo, a Fundação Criança, de São Bernardo, iniciou, no ano passado, uma experiência chamada residência terapêutica – uma clínica de drogadição específica para crianças e adolescentes em situação de rua. Dez adolescentes, apontados como os casos mais graves, estão sendo atendidos. Outros, com menor envolvimento com a droga, são encaminhados para comunidades terapêuticas ou para os Caps.
"É uma experiência interessante e precisa ser ampliada”, acredita Ariel Alves. O advogado e militante da causa da infância busca ideias inovadoras no enfrentamento ao crack. Segundo ele, o discurso dos programas preventivos ainda é baseado nos efeitos e consequências apenas da maconha, heroína e cocaína. Esse repertório, ressalta, não foi atualizado. "Os setores envolvidos não sabem como tratar o crack preventivamente e sequer sabem o discurso a ser utilizado”, critica.
Outro problema apontado pela psicóloga Luciana França é a discriminação enfrentada pelos jovens dependentes. "Ainda hoje, há muito preconceito com relação à dependência, inclusive entre profissionais de saúde. Não é raro ouvirmos relatos de pacientes que sofreram maus-tratos no pronto-socorro quando chegaram lá com um quadro de intoxicação aguda ou crise de abstinência. É relativamente recente a ideia da dependência ser uma doença que requer cuidados médicos. A valoração moral/religiosa ainda se faz presente”, acentua.
O dado positivo é que soluções começam a ser pensadas. Para reverter o trágico quadro atual, a presidente da Fundação Casa propõe uma parceria com as escolas. "A escola pode ajudar muito na prevenção, porque um grande indicador do envolvimento com a criminalidade e com as drogas é a frequência à escola. Mais de 80% dos nossos jovens abandonaram os estudos”, aponta Berenice.
A presidente da República, Dilma Roussef, garante que o crack encabeça a lista de suas preocupações na área da infância e adolescência. Em setembro, durante a campanha eleitoral, a então candidata assumiu o compromisso, em reunião com os dirigentes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), de não medir esforços no combate ao uso da droga, principalmente entre crianças, adolescentes e jovens. Dilma pediu aos especialistas e aos integrantes do conselho que pensassem em uma maneira de dar retaguarda ao trabalho dos Caps, buscando a internação dos adolescentes e jovens nas fases mais agudas de tratamento. O plano integrado de enfrentamento ao crack e a outras drogas, anunciado pelo governo federal, fala em ampliação dos leitos e clínicas, mas não se sabe se haverá, por exemplo, médicos psiquiatras suficientes para garantir o sucesso do projeto. Essa resposta é esperada pela sociedade, mas não mais em 20 anos.
A infância roubada pelas drogas
Assim que Cristiano (nome fictício) desceu as escadas de uma unidade da Fundação Casa, em São Paulo, logo se viu: em nada lembrava a imagem de um menino de 14 anos. Dentes quebrados pelo uso do crack, manchas numa pele já endurecida e um olhar tão profundo que calava qualquer resto de infância que pudesse haver ali.
Cristiano começou a usar drogas aos 10 anos. Provou a cocaína e depois foi direto para o crack. Chegava a fumar quatro pedras em um dia e, com isso, não demorou em começar a assaltar em busca de dinheiro. No dia em que foi pego pela polícia, estava em seu sexto assalto à mão armada.
Desde os 10 anos, diz, perdeu a conta de quantos assaltou realizou. Afirma que nunca matou, mas fala da morte como se fosse uma companheira íntima. Seu pai, também dependente químico e assaltante, foi morto quando o garoto tinha 6 anos. "Ele morreu na mão dos policial (sic). Eu vi quem matou, mas já mataram esse cara.”
Cristiano não falou nada ao ver seu pai alvejado na rua. "Fiquei quieto. Fui para casa e contei para a minha mãe.” O garoto cansou de ver assassinatos por causa de dívidas de cinco reais ou de roubos malsucedidos, além de pessoas mortas nas ruas pelos efeitos do crack. Perguntado se sentia medo, o menino sequer vacilou na resposta: "não, senhora.”
Cristiano abandou a escola na sexta série, ficou morando com a avó no interior do Rio Grande do Sul, enquanto a sua mãe veio para São Paulo tentar a vida. Desanimada com a dependência química do neto, a avó pediu para que a filha mandasse buscar Cristiano.
A tentativa de estancar as drogas foi em vão. Aos 13 anos, o garoto foi morar com a mãe em uma favela em Guarulhos e não demorou muito para conhecer o "patrão”, como é chamado o homem que comanda o tráfico no local. "Em qualquer lugar você acha droga”, diz.
Cristiano conta que o juiz disse que ele ficaria na Fundação Casa mais para ser afastado das drogas do que propriamente pelas contravenções cometidas. O menino já havia tentado tomar medicação em liberdade, mas parava poucos dias depois e voltava para o crack. "Eu ficava muito na rua, e os amigos chamavam e eu ia. Aqui fico trancado.” Há cinco meses sem fumar, Cristiano diz que, hoje, não tem mais vontade de usar o crack. "É só eu querer”, diz, pensando na liberdade.
O adolescente Vinícius (nome fictício), de 16 anos, também está na Fundação Casa e concorda que é preciso vontade para abandonar as drogas. Mas Vinícius, ao contrário de Cristiano, começou a fumar por curiosidade, como muitos, e resolveu experimentar o crack, tornando-se viciado por seis meses.
Tendo rapidamente percebido os efeitos da droga sobre o seu físico, ele mesmo pediu para ser internado em uma clínica. Sua família não teve recursos para colocá-lo na Fazenda da Esperança, em Guaratinguetá – onde imaginavam ser o local ideal –, e Vinícius foi para uma chácara religiosa em Caraguatatuba, próximo de onde morava com o pai. Foram quatro meses em tratamento.
Vinícius diz que a religião o livrou do crack. O mesmo não ocorreu com a cocaína, que ele voltou a procurar cinco meses após deixar a clínica religiosa. O jovem acabou sendo pego pela polícia, portando quatro papelotes de cocaína de dez gramas. Naquele dia, os traficantes fugiram, cada um para um lado, e Vinícius e mais dois colegas foram levados para uma delegacia, onde ficaram trancafiados como traficantes em um quadrado de um metro por um, durante uma noite. Após nove dias de delegacia, foram levados para a Fundação Casa, onde estão há seis meses.
O adolescente está prestes a sair da internação. Ele diz querer retomar os estudos – interrompidos na quinta série, aos 11 anos – e trabalhar no restaurante do pai, no litoral paulista, de onde algumas vezes pegou dinheiro para comprar drogas. "Meu pai falou que tem um curso de petróleo e gás em São Sebastião, de graça. Eu nunca dei ouvidos ao meu pai, mas agora vou fazer a vontade dele, e não a minha.”
Questionado se está confiante com a decisão, Vinícius diz: "É melhor. Preciso pensar em como será a minha vida lá fora. Aqui dentro é outro mundo. Não é nem mundo aqui. Não dá nem para ver o Sol. Droga não traz felicidade para ninguém. Eu precisei parar aqui para pensar nisso.”
ENTREVISTA
"A recaída é o grande desafio”
O médico psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é um crítico feroz da política antidrogas no País. Ele não acredita no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, do governo federal, e diz que os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) não estão preparados para atender os viciados em crack. "A recaída é o grande desafio. Não é um tratamento simples ou para amadores”, afirma. Confira, a seguir, os principais trechos dessa entrevista.
Fórum - O crack surgiu no Brasil no início dos anos 1990. De lá para cá, houve alguma política pública capaz de combater a disseminação da droga?
Ronaldo Laranjeira - Não. O crack virou uma pandemia e não é um fenômeno mundial. É um fenômeno bem brasileiro, porque os governos – especialmente o final do governo Fernando Henrique Cardoso e todo o governo Lula – ficaram só observando a evolução do crack, quer seja no Ministério da Saúde ou na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad).
Fórum - Mas o senhor acha que as propostas do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas não vão sair do papel ou elas não têm eficácia para tratar o problema?
Laranjeira - Não vão sair do papel e não atingem o cerne do problema. Recentemente vi um documento do doutor Pedro Gabriel Delgado (coordenador nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde) falando sobre a existência de não sei quantos consultórios de rua e de não sei quantos Caps. A própria Associação Brasileira de Psiquiatria está questionando esses números. Onde é que estão todas essas coisas? Eu não vejo.
Fórum - Por que o senhor discorda das propostas desse Plano Integrado?
Laranjeira - Algumas delas são incongruentes e inconsistentes. Eu absolutamente não acredito em consultórios de rua, um dos pilares desse programa. Se eu não tivesse dinheiro e meu filho estivesse na rua usando crack, gostaria que o Estado me protegesse e, primeiro, oferecesse internação, tirando o garoto da rua mesmo contra a sua vontade. Não se pode esquecer que um terço dos usuários de crack morre nos primeiros quatro ou cinco anos, e o consultório de rua fica oferecendo Band-aid, novalgina e pomadinha para os lábios queimados pelo crack. O cara está precisando de uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
Fórum - Que outras iniciativas desse Plano seriam ineficazes?
Laranjeira - Vai falar para o diretor clínico do Hospital Albert Einstein, que é o melhor de São Paulo, que ele vai receber seis ou dez usuários de crack. Ele vai dizer que não tem estrutura para cuidar deles, não tem enfermagem, quartos especiais e nem segurança para o seu pessoal. Se isso é válido para o Einstein, imagina para o Hospital de Itaquera ou para as Santas Casas. Eu não deixaria uma enfermeira minha cuidar de um usuário de crack a noite inteira sem estrutura para lidar com esse problema. Eles não querem aceitar o fato de que é preciso haver enfermarias especializadas para tratar a dependência química.
Fórum - Por que não? Falta entendimento, vontade ou dinheiro?
Laranjeira - O fato é que há mais de dez ou 12 anos as pessoas estão fazendo essa mesma política, e o problema só aumentou. Na área social, o discurso vigente tenta escamotear a realidade crua das ruas e dolorosa das famílias que têm dependentes químicos. Recebo cinco ou seis e-mails todos os dias, de famílias do Brasil inteiro, perguntando o que devem fazer com seus filhos que são dependentes do crack e não querem se tratar.
Fórum - E quantos usuários de crack são tratados nos Caps?
Laranjeira - O Ministério da Saúde não têm esse número, porque eles não sabem. O número é vergonhosamente baixo. Ligue para qualquer Caps de São Paulo e diga que você tem um filho usuário de crack que não quer ir para o tratamento. O Caps vai lhe falar: "Então, não é problema nosso.” E mesmo que o seu filho queira marcar uma consulta, eles marcam para depois de um mês. Um mês na vida de um usuário de crack é muita coisa. A probabilidade é que ele não vá à consulta, tenha uma recaída e continue usando o crack. E, mesmo que o cara vá à consulta, vai avaliar qual é a formação desses profissionais que lidam com o crack nos Caps. A grande maioria não tem formação para lidar com casos complexos. Esses centros não estão preparados para receber essa população, e a recaída no crack é o grande desafio. Não é um tratamento simples ou para amadores.
Fórum - Além das enfermarias especializadas, que outras iniciativas poderiam combater a disseminação do crack?
Laranjeira - A internação dá um período de estabilidade mental e psiquiátrica à pessoa. É o começo do tratamento. Também é importante haver um sistema de pós-internação, como as moradias assistidas, onde a pessoa possa ficar um período maior e reconstruir a vida, voltar a estudar e a trabalhar, não estando necessariamente internada, mas em um ambiente protegido. Isso porque, na maior parte das vezes, a família do usuário de crack está muito desgastada e não tem condições de recebê-lo de volta. Além disso, seria preciso criar uma parceria com os grupos de autoajuda, como os Narcóticos Anônimos. Hoje, quem mais atende os usuários de crack, em números, são os Narcóticos Anônimos e grupos como o Amor-Exigente. Eles atendem cem vezes mais que os Caps, sem nenhum custo, pois é um trabalho voluntário.
Fórum - Hoje, o Brasil é o maior mercado de usuários de cocaína na América do Sul. Como o senhor imagina que serão os próximos dez anos?
Laranjeira - O controle acaba ocorrendo não pelas políticas sociais, mas porque muita gente morre. Porém, acho que o número vai continuar alto e vamos seguir nessa epidemia de crack. Eventualmente, vão surgir outras drogas. Mas temos que dar um crédito para o novo governo, porque agora a Senad foi para o Ministério da Justiça [antes o órgão pertencia ao Gabinete de Segurança Institucional]. Não sei se isso vai mudar algo para melhor.
Crack - Entrevista com Jairo Werner - "Ninguém sabe como lidar com o crack”
Para o psiquiatra e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Jairo Werner, um dos principais problemas em relação ao tratamento de usuários de crack no país é a falta de um protocolo de tratamento. Segundo ele, até mesmo o meio acadêmico enfrenta sérias dificuldades nesse aspecto. "Temos que evoluir muito o trabalho para chegar a um consenso”, pondera. Leia a entrevista abaixo:
Por Thalita Pires
Fórum - O crack realmente causa mais dependência que outras drogas?
Jairo Werner - O crack causa dependência de forma similar a todas as outras drogas. A diferença é o tempo que esse processo leva. O crack chega mais rapidamente ao cérebro, o caminho da droga pelo pulmão é mais curto. Logo depois da tragada, o cérebro é "inundado” por neurotransmissores, mas não é isso que causa a dependência. A sensação é muito forte e isso faz com que a pessoa queira fumar outra vez, o mais rápido possível. Não gosto de falar isso porque posso ser mal-compreendido, mas a violência da sensação que o crack proporciona é da ordem de vários orgasmos. A pessoa não vai ter orgasmos fumando crack, mas a magnitude do efeito é semelhante. É por isso que o crack causa uma dependência mais rápida.
Fórum - Por que o crack é a escolha das crianças de rua, se o preço de um cigarro de maconha e de uma pedra de crack é semelhante?
Werner - A maconha relaxa, o crack estimula. Pessoas que não têm o que comer não vão fumar maconha, que além de relaxar dá mais fome, mas sim o crack, que faz com que todas as outras sensações sejam suplantadas.
Fórum - É possível dizer que o crack deixou de ser uma droga usada por moradores de rua e passou para a classe média?
Werner - Isso é um processo dinâmico. Não é porque a droga começou a ser usada principalmente por moradores de rua que isso não pode mudar. O tipo de usuário muda sim. Minha esperiência clínica mostra que a droga está chegando na classe média. Há dez anos não víamos dependentes de crack de classe média, hoje isso já acontece.
Fórum - Qual a sua opinião sobre o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, lançado no ano passado pelo governo federal?
Werner - Qualquer plano já é alguma coisa, já que antes não havia nada. Mas é bom lembrar que, na UERJ, denunciamos a existência do crack há cinco anos. Isso significa que essa iniciativa já chega atrasada. O problema é que o crack já está em uma dimensão muito maior do que qualquer plano.
Fórum – Dentro dele, quais seriam os pontos positivos? O texto enfatiza, por exemplo, a atuação de atores sociais como igrejas e líderes comunitários.
Werner - Sim, a participação social é importantíssima. Quando a comunidade que cerca o usuário está envolvida, é possível fornecer uma acolhida imediata. Isso é importante porque o usuário ou dependente não vai buscar ajuda no começo. Se isso acontecer, vai ser apenas quando sua situação chegar num nível muito perigoso. Então, essa é uma forma de buscar o usuário ativamente, e não apenas esperar que ele busque tratamento.
Fórum – E em relação à rede de atendimento ao usuário?
Werner - Temos um atendimento, hoje, que não é uma rede. Precisamos de equipamentos de saúde em todos os níveis, que sejam de fato integrados. Tudo tem que trabalhar junto, a educação, a saúde, a assistência social. Os municípios, no entanto, são muito setorizados, os secretários, em vez de colaborarem, brigam entre si. Esse é um problema que um plano federal pode ajudar a resolver.
Fórum – E quais as falhas, o que pode dar errado no Plano?
Werner - Tenho medo, por exemplo, de que se criem "cracolândias terapêuticas”, um depósito de viciados. Isso já se mostrou ineficaz. O crack é diferente de outras drogas. O problema é que não temos especialistas nem métodos reconhecidos para tratar os dependentes. Uma parte desses pacientes são crianças, mas ninguém sabe lidar com isso. Em resumo, ninguém sabe como lidar com o crack não há protocolo de tratamento e é nisso que devemos trabalhar.
Fórum – O meio acadêmico não pode ajudar a criar esse protocolo de tratamento?
Werner - A universidade também não sabe como lidar com isso. Temos que evoluir muito o trabalho para chegar a um consenso.
Fórum - O que impede a criação desse consenso?
Werner - Nossa discussão sobre drogas é muito ideologizada. Algumas pessoas querem segregar o usuário, tratá-lo separadamente e depois reintegrá-lo à sociedade. Isso já foi tentado e não funcionou. Outros acham que o problema da dependência é estritamente social, então o usuário deve ser deixado como está, pois sua situação só vai melhorar com uma mudança da sociedade. Esses dois extremos ficam debatendo e não chegamos a conclusão alguma.
Nos EUA, por exemplo, existe a Justiça Terapêutica. A pessoa deixa de ser processada por alguns crimes se aceitar o tratamento contra a dependência. Hoje isso jamais seria aceito no Brasil, por que há quem trate o usuário como criminoso. Aqui ou querem o autoritarismo ou a permissividade; ou as crianças ficam nas ruas ou vão para mini-Carandirus. Nenhuma dessas opções é a certa.
Com Palocci no Planalto, ortodoxos voltaram a ganhar força
Altamiro Borges
Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB - Partido Comunista do Brasil
Adital
A decisão da presidenta Dilma Rousseff de promover um corte cirúrgico de 50 bilhões no Orçamento da União confirma que os tecnocratas neoliberais estão com a bola toda no início do novo governo. Eles já bombardearam a proposta de aumento real do salário mínimo, aplaudiram a decisão do Banco Central de elevar a taxa de juros e, agora, festejam os cortes nos gastos púbicos. Tudo bem ao gosto das elites rentistas e para delírio da mídia do capital, que agora decidiu bajular a nova presidenta.
Na justificativa para o corte dos gastos, o ministro Guido Mantega, tão duro contra o sindicalismo na questão do salário mínimo, mostrou-se dócil diante do "deus-mercado”. Sem meias palavras, ele afirmou: "Nós estaremos revertendo todos os estímulos que fizemos para a economia brasileira entre 2009 e 2010... Nós já estamos retirando esses incentivos e agora falta uma parte deles que estão sendo retirados do Orçamento de 2011, que são os gastos públicos, que ajudaram a estimular a demanda”.
Um triste regresso ao "malocismo”?
Numa linguagem empolada, típica de quem esconde as maldades, Mantega argumentou que "este ajuste, esta consolidação fiscal, possibilitará que nós alcancemos o superávit primário” – outro termo que causa orgasmos nos banqueiros e rentistas. A União, explicou o ministro, já teria reservado "quase R$ 81,8 bilhões” somente para o pagamento dos juros – isto é, o dobro dos investimentos orçamentários destinados ao Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC (de R$ 40,15 bilhões).
Na prática, as decisões recentes do governo parecem indicar um triste regresso ao "malocismo” – uma mistura de Pedro Malan, czar da economia no reinado de FHC, e Antonio Palocci, czar da economia no primeiro mandato de Lula. Os seus efeitos poderão ser dramáticos, inclusive para a popularidade da presidenta Dilma. De imediato, as medidas de elevação dos juros e redução dos investimentos representam um freio no crescimento da economia e, conseqüentemente, na geração de emprego e renda.
Suspensão de concursos e outras maldades
Além de reduzir o papel do Estado como indutor do crescimento, o corte drástico de R$ 50 bilhões no Orçamento da União terá impacto nos serviços públicos prestados à população. O governo já anunciou a suspensão dos concursos para a contratação de novos funcionários e protelou a nomeação de 40 mil servidores aprovados em seleções anteriores. Para Maria Thereza Sombra, diretora da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursados, estas medidas levarão ao "estrangulamento da máquina”.
Empolgado com a retomada de alguns dogmas neoliberais, O Globo diariamente dá manchete às medidas de "ajuste fiscal” do ministro Mantega. Na edição de 10 de fevereiro, o jornal festejou: "O corte de R$ 50 bilhões nas despesas do Orçamento de 2011 deixará alguns ministérios a pão e água”. No estratégico Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, o corte previsto é de R$ 1,3 bilhão. Até o sistema de vigilância ambiental, alardeado após a tragédia carioca das chuvas, corre sério risco de ser enterrado.
A ditadura do capital financeiro
Como se observa, as perspectivas no início do governo da presidenta Dilma Rousseff são preocupantes. Ainda é cedo para se fazer qualquer avaliação mais conclusiva, taxativa. Mas há indícios de que as velhas teses ortodoxas voltaram a ganhar força no Palácio do Planalto, sob o comando do todo-poderoso ministro Antonio Palocci. Na prática, a opção por retomar a desgastada ortodoxia neoliberal, com aumento dos juros e cortes dos investimentos, evidencia a força da ditadura financeira no Brasil.
Esta opção, porém, não tem nada de racional sob o ponto de vista dos trabalhadores. Foram exatamente as medidas heterodoxas de estímulo ao mercado interno, adotadas no segundo mandado de Lula, que evitaram que o país afundasse na crise mundial que abala o capitalismo desde 2008. Nas eleições de 2010, o povo votou na continuidade e no avanço daquele modelo econômico de desenvolvimento e não na regressão à ortodoxia neoliberal.
Ganhar dinheiro com a fome
Prensa Latina
Agencia Informativa Latinoamericana
Adital Por Katia Monteagudo
Tradução: ADITAL
Transnacionais ganham enormes somas de dinheiro em períodos de fome, mediante a comercialização especulativa de produtos de primeira necessidade.
Hoje, não somente as más colheitas, entre outros impactos de mudança climática, trazem problemas à segurança alimentar global.
Vários especialistas asseguram que a especulação resulta em uma das mais poderosas causadoras da atual volatilidade nos preços dos comestíveis básicos.
Clara e abertamente expõem que os próprios bancos, fundos de investimento e especulação financeira que provocaram a crise das hipotecas "subprime” estão por trás dessa inflação de preços.
Afirmam também que a mesma confusão vista Ana crise alimentar de 2008 –que emerge de novo- ainda se mantém em pé, com mais força e gerando grandes dividendos a custa de estômagos e bolsos.
A organização mundial GRAIN diz que o dinheiro especulativo em alimentos cresceu de cinco bilhões de dólares em 2000 para 175 bilhões, em 2007.
Nos meses de agosto e setembro de 2010, na bolsa de futuros de Chicago, o trigo alcançava um incremento de preço de 60 a 80%, em relação ao mês de julho.
Vários corretores viram uma oportunidade na proibição das exportações de trigo na Rússia e déficits em outros países, como a Ucrânia e o Canadá.
Outras multinacionais da alimentação também reagiram ante o temor da escassez; realizaram contratos de futuros e apropriam-se de toneladas de trigo. De imediato, em Moçambique o pão teve aumento de 30%.
Em âmbito global, o milho teve incremento de 40% e o arroz de 7%. Tampouco o café escapou da voragem especuladora. Desde setembro de 2010, o valor internacional desse grão começou a subir devido à apropriação de grandes operadores, informa a ONG espanhola ESPANICA.
Tal volatilidade tem obrigado os 77 países mais pobres do mundo a desembolsar 8% a mais de dinheiro para as compras de alimentos.
Olivier de Schutter, relator especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação, afirma que os movimentos financeiros estão por trás dos altos preços do milho, do trigo e do arroz. Em sua opinião, esses preços não estão relacionados com a disponibilidade dos inventários ou com o resultado da última colheita, mas com a manipulação da informação e com a especulação nos mercados.
Hilda Ochoa-Brillembourg, presidente do Strategic Investiment Group, assessores de investimentos no Banco Mundial, estima que desde 2008 a demanda especulativa de futuros de produtos agrícolas cresceu entre 40 e 80%.
Somente a firma inglesa Armajaro Holdings Ltda, comprou em uma jornada do ano passado, 240 mil toneladas de cacau, avaliadas em 720 milhões de euros e que representam 7% da produção mundial.
Em um dia Armajaro conseguiu que o preço da tonelada desse grão disparasse até alcançar 3.223 euros, a cifra mais alta desde 1977.
Essa quantidade de cacau equivale ao consumo dos estadunidenses durante seis meses e é suficiente para produzir mais de 15 bilhões de barras de chocolate Hershey’s.
Armajaro possui agora bastante matéria-prima para influir nos preços e negociar com companhias processadoras do produto, como a Cargill Inc. e a Archer-Daniels Midland Co., e produtores de chocolate, como Hershey Co. e Mars Inc.
"As pessoas morrem de fome enquanto os bancos fazem uma matança com suas apostas nos alimentos”, diz Deborah Doane, diretora do Movimento Mundial para o Desenvolvimento.
Caridad García-Manns, operadora de "commodities” do Traders Group Inc. assevera que a metade dos incrementos nos valores de milho, trigo e outros alimentos está sendo provocada pela especulação de grandes investidores em âmbito global.
Durante o ano atual, essas mercadorias poderiam subir um terço mais do que o que já subiu até agora; porém, segundo a ONU, os preços ainda podem aumentar em mais de 40% na nova década que transcorre.
Iván Ângulo, representante na Guatemala da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação assinala que somente nesse país quase três milhões de pessoas estão em risco devido ao crescimento dos custos nos comestíveis básicos, cifra que se somaria a quase 1 bilhão de pessoas que padecem fome crônica hoje no planeta.
"Temos que ser muito enfáticos de que com o alimento não podemos permitir que haja ações especulativas, mas que haja racionalidade em todos os setores”, enfatiza Ângulo.
No entanto, a Comissão Europeia decidiu adiar um estudo que prepara sobre o aumento de preços nas matérias primas, alimentos e seus vínculos com a especulação nos mercados.
Esse executivo comunitário argumentou que tem claro que existe uma relação entre os mercados financeiros e os das matérias primas; porém, necessita tempo para conseguir reunir mais provas.
Enquanto o organismo espera acumular mais elementos comprobatórios de como as transnacionais ganham dinheiro às custas das penúrias, começam a reagir em cadeia as lutas pelo pão.
Hoje também são muitos os convencidos de que morrer de fome não é a opção.



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Um comentário:

  1. vamos a luta agora todos informatizados somos da equipe de apoio e tambem educadores precisamos ser reconhecido.

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